Parecida com ela.
Menos cheia, talvez. Mas igual no rosado das faces, na anca larga, na perna curtinha e bem torneada, na mão sapuda e pequena. Mão de parto, como dizia a mãe das duas.
Parecida com a Júlia sempre encantada com borboletas, moscas varejeiras e outros insectos que os classificava a todos em classes e ordens e conhecia de cada um os nomes do latim. Aquela mosca que volteava e embatia a eito na vidraça da janela ou se enrolava na luz do candeeiro, Júlia chamava-a Calliphora vomitória.
Júlia sempre vestida com um salpico de amarelo, um apontar de encarnado. Cores desfazendo a continuidade de um vestido branco ou desmentindo o luto do preto de um saia e casaco, na ponta de um lenço espreitando de um bolsinho, no cinto fino combinando com o peitilho em refegos da blusinha de algodão sem mangas.
A Júlia sempre com um chapelinho sobre os caracóis doirados que os trazia curtos, mas não em demasia: tapadas as orelhas por dois tufos de onde sempre aparecia uma pérola caída, o oiro de uma argola. O cabelo curto o suficiente para que não caia madeixa sobre o observar na lente de uns olhos facetados de uma mosca ou o abdómen segmentado de um coleóptero.
Elas se semelhavam no sorriso franco.
Mas começavam-lhes as diferenças nos lábios.
Júlia os tinha finos numa boca pequena mesmo quando ria, e ria muito, a Júlia.
Os dela eram grossos, quase em demasia, e quando sorria, a boca era gulosa. Enorme. Apetitosa. Boca que ela usava no dizer de palavras. Um dizer de ganhar a vida.
Bocas não pintadas, mas nem por tal semelhantes.
Júlia sempre vestida com um salpico de amarelo, um apontar de encarnado. Cores desfazendo a continuidade de um vestido branco ou desmentindo o luto do preto de um saia e casaco, na ponta de um lenço espreitando de um bolsinho, no cinto fino combinando com o peitilho em refegos da blusinha de algodão sem mangas.
A Júlia sempre com um chapelinho sobre os caracóis doirados que os trazia curtos, mas não em demasia: tapadas as orelhas por dois tufos de onde sempre aparecia uma pérola caída, o oiro de uma argola. O cabelo curto o suficiente para que não caia madeixa sobre o observar na lente de uns olhos facetados de uma mosca ou o abdómen segmentado de um coleóptero.
Elas se semelhavam no sorriso franco.
Mas começavam-lhes as diferenças nos lábios.
Júlia os tinha finos numa boca pequena mesmo quando ria, e ria muito, a Júlia.
Os dela eram grossos, quase em demasia, e quando sorria, a boca era gulosa. Enorme. Apetitosa. Boca que ela usava no dizer de palavras. Um dizer de ganhar a vida.
Bocas não pintadas, mas nem por tal semelhantes.
Ela e Júlia.
Sentam-se nas cadeiras de verga da varanda da mãe. A varanda como sempre lhes chamaram nem o sabem como. O terraço que traçava de colorido rosa a frente da casa branca, de janelas dobradas em portadas verdes, sustentadas dos ventos que nunca sopravam, por uns feixes de ferro em forma de gansos. Um de cada lado.
Sentadas com de permeio a mesa com o tampo de vidro segurando a composição de desenhos que cada uma delas foi fazendo quando andava em idade de escola. Os desenhos enfeitando por baixo.
Depois, nem Júlia nem ela, fizeram mais desenhos que os que delineavam corpos de borboletas e asas e olhos facetados de moscas ou, no caso dela, a posição dos diferentes elementos no palco antes de um espectáculo.
Nunca mais desenhos de casas de onde saíam mães acenando a filhos que corriam em carreiros de dois riscos rodeados de flores. Nunca mais um barquinho dependurado na linha do horizonte e um sol amarelo com dois olhos.
Júlia já então desenhava borboletas.
Sob o vidro onde bebem o chá, elas ainda voam dependuradas nos telhados das casas ou enchem, de ponta a ponta, uma folha.
Os papéis dela não têm borboletas e nem sóis.
Os papéis assinados numa caligrafia que mal reconhece, estão cheios de letras. Cortinas de letras sem palavras.
Muitas letras a saírem de bocas abertas, caras redondas que eram gente.
Sentam-se nas cadeiras de verga da varanda da mãe. A varanda como sempre lhes chamaram nem o sabem como. O terraço que traçava de colorido rosa a frente da casa branca, de janelas dobradas em portadas verdes, sustentadas dos ventos que nunca sopravam, por uns feixes de ferro em forma de gansos. Um de cada lado.
Sentadas com de permeio a mesa com o tampo de vidro segurando a composição de desenhos que cada uma delas foi fazendo quando andava em idade de escola. Os desenhos enfeitando por baixo.
Depois, nem Júlia nem ela, fizeram mais desenhos que os que delineavam corpos de borboletas e asas e olhos facetados de moscas ou, no caso dela, a posição dos diferentes elementos no palco antes de um espectáculo.
Nunca mais desenhos de casas de onde saíam mães acenando a filhos que corriam em carreiros de dois riscos rodeados de flores. Nunca mais um barquinho dependurado na linha do horizonte e um sol amarelo com dois olhos.
Júlia já então desenhava borboletas.
Sob o vidro onde bebem o chá, elas ainda voam dependuradas nos telhados das casas ou enchem, de ponta a ponta, uma folha.
Os papéis dela não têm borboletas e nem sóis.
Os papéis assinados numa caligrafia que mal reconhece, estão cheios de letras. Cortinas de letras sem palavras.
Muitas letras a saírem de bocas abertas, caras redondas que eram gente.
Ela já então desenhava falares.
9 comentários:
:))))) Beijo!
... eis um bom tema para um desenho a grafite (neste momento, oiço na RTP 2 uma entrevista com Ângelo de Sousa, um artista plástico que por vezes queima desenhos antigos numa salamandra, outro belo tema para um texto na blogosfera e os temas sucedem-se e ainda há quem diga que não sabe sobre o que há-de escrever e o melhor é fechar este parêntesis que já vai longo... )com o título "desenho da irmã de Júlia".
Acho que, em tempos , te "descrevi" umas borboletas...
Desenhei algumas palacras, mas perdi-as contigo.
Lindo texto!
Como sempre as tuas frases são repletas de imagens absolutamente fantásticas.
Escritora, Fabuloso!
Beijos
E de boca aberta de espanto, sem letras que lhe saiam, fico eu. Que nem borboletas nem letras tenho para te oferecer e te agradecer estes momentos de leitura.
Um beijo
Assim a desenhares falares escritos encantas...
Bj.
São borboletas o rasto que deixam as tuas histórias. Rastos de cores que ficam mesmo depois de cerrarmos os olhos.
Beijo
Só mesmo para deixar um beijinho e votos de uma boa semana. Já tinha saudades :)
beijinhos
Já te disse que adoro sentar-me aqui?
Beijinhos, m
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