Embalava letras com vírgulas e pontos e, a mais das vezes, nem espaçava em parágrafo ou dizer de vozes.
Nada que fosse assim:
- Ouviste o que eu te disse, António?
Ou de um outro parecido modo.
Ele foi descendo a rua e encontrou a velhota a quem cumprimentou, dizendo num sorriso:
- Ora viva, Dona Amélia! Bom dia!
Nada disto.
Eram contos curtos sem uso de travessão ou dois pontos. Uma escrita corrida, descuidada. Embrulhava palavras em escrita desenfreada. Era assim de rompantes em tudo o que fazia, estranho seria se fosse diferente quando escrevia.
Fazia-o quase sempre de tarde.
Era aí pelas horas de sentir o estômago com fome e o entreter com um sumo e dois pedaços de pão bem torrado, que se sentava e escrevia. Fazia-o, com caneta de tinta, nuns papéis que comprava avulso, na merceeira onde a Ernestina tinha, a um canto, um há de tudo que incluía botões, fita de nastro, linhas de alinhavar e de coser em cores garridas e onde também havia linha preta e branca e uns alfinetes de ama e outros de cabecinha e molas e colchetes e, claro está, agulhas. Vendia também entretela por encomenda e tecidos diversos, a maioria em chita. E pano para lençol a metro de uma largura só. Ainda lhe viu, mas era raro ter, fita de debruar com desenhos assim como joaninhas e flores. O mais normal era o cordão em cetim.
Foi nesse canto da merceeira de Ernestina que encontrou a pregadeira em forma de borboleta. Uma filigrana de lata que brilhava, argêntea, no vestido de chita azul, debruado a branco na fotografia do casamento da Maria Teresa.
Fora madrinha daquela desalmada que, ainda nem seis meses se haviam passado sobre o enlace com o Matias do talho, e já estava parindo o filho Sebastião que já foi às sortes o ano passado. Prenha no casamento, e ela, Maria Gertrudes, com o vestido azul debruado em cordão acetinado, sorrindo na fotografia com o cabelo em cachos que penteara com esmero para a boda.
Nunca lhe perdoou aquele desaforo de lhe ver a barriga crescendo destempada, e saber que na boda, depois do sim ao padre, o ramo que atirou era de tudo menos de virgindade.
O ramo que lhe caíu nas mãos sem que fizesse um gesto. Ela, Maria Gertrudes, até hoje, passado tanto ano que já o rapaz fora às sortes, sem homem, e dando por solteirona em todo o lado.
Nunca lhe perdoara, à Maria Teresa que a fazia trocar de passeio ou olhar para outro lado, quando passeava acompanhada do marido já calvo e dois dos filhos, que tivera seis depois do cachopo que ía no casamento encomendado.
Pousou a caneta e tasquinhou mais um pedacinho de torrada besuntada de doce de tomate, o doce de que tanto gostava.
A porta da sala dava para o terraço onde brincavam os filhos ainda em idade de ir à escola.
Em cima da secretária ampla, olhou-se na fotografia com o vestido azul debruado de branco e os cabelos tão curtos que nem percebia onde deixara os cachos.
Nada que fosse assim:
- Ouviste o que eu te disse, António?
Ou de um outro parecido modo.
Ele foi descendo a rua e encontrou a velhota a quem cumprimentou, dizendo num sorriso:
- Ora viva, Dona Amélia! Bom dia!
Nada disto.
Eram contos curtos sem uso de travessão ou dois pontos. Uma escrita corrida, descuidada. Embrulhava palavras em escrita desenfreada. Era assim de rompantes em tudo o que fazia, estranho seria se fosse diferente quando escrevia.
Fazia-o quase sempre de tarde.
Era aí pelas horas de sentir o estômago com fome e o entreter com um sumo e dois pedaços de pão bem torrado, que se sentava e escrevia. Fazia-o, com caneta de tinta, nuns papéis que comprava avulso, na merceeira onde a Ernestina tinha, a um canto, um há de tudo que incluía botões, fita de nastro, linhas de alinhavar e de coser em cores garridas e onde também havia linha preta e branca e uns alfinetes de ama e outros de cabecinha e molas e colchetes e, claro está, agulhas. Vendia também entretela por encomenda e tecidos diversos, a maioria em chita. E pano para lençol a metro de uma largura só. Ainda lhe viu, mas era raro ter, fita de debruar com desenhos assim como joaninhas e flores. O mais normal era o cordão em cetim.
Foi nesse canto da merceeira de Ernestina que encontrou a pregadeira em forma de borboleta. Uma filigrana de lata que brilhava, argêntea, no vestido de chita azul, debruado a branco na fotografia do casamento da Maria Teresa.
Fora madrinha daquela desalmada que, ainda nem seis meses se haviam passado sobre o enlace com o Matias do talho, e já estava parindo o filho Sebastião que já foi às sortes o ano passado. Prenha no casamento, e ela, Maria Gertrudes, com o vestido azul debruado em cordão acetinado, sorrindo na fotografia com o cabelo em cachos que penteara com esmero para a boda.
Nunca lhe perdoou aquele desaforo de lhe ver a barriga crescendo destempada, e saber que na boda, depois do sim ao padre, o ramo que atirou era de tudo menos de virgindade.
O ramo que lhe caíu nas mãos sem que fizesse um gesto. Ela, Maria Gertrudes, até hoje, passado tanto ano que já o rapaz fora às sortes, sem homem, e dando por solteirona em todo o lado.
Nunca lhe perdoara, à Maria Teresa que a fazia trocar de passeio ou olhar para outro lado, quando passeava acompanhada do marido já calvo e dois dos filhos, que tivera seis depois do cachopo que ía no casamento encomendado.
Pousou a caneta e tasquinhou mais um pedacinho de torrada besuntada de doce de tomate, o doce de que tanto gostava.
A porta da sala dava para o terraço onde brincavam os filhos ainda em idade de ir à escola.
Em cima da secretária ampla, olhou-se na fotografia com o vestido azul debruado de branco e os cabelos tão curtos que nem percebia onde deixara os cachos.
7 comentários:
Ah! mulher que muito gostas tu de fruta!! E com a gulodice do doce de tomate, até te esqueceste onde deixaste os cachos... de uvas.
O que te vale é que escreves. E eu gosto dessas letras.
Tem um bom dia.
lindas memórias pintadas
Que coisa Escritora, quem te manda escrever maravilhosamente?
Assim ando-me sempre a repetir:(((
Está magnífico este conto, fico deliciada com os pormenores visualizados e sentidos.
Parabéns por isso:)
beijos
Estava aqui a pensar... será que fica muito mal, em vez de comentar (mais) um texto lindissimo, aproveitar este espaço para te convidar para a festa no Alpendre ? É que tu és uma das convidadas de honra... :-)
(beijo-beijo)
É um prazer ler-te. Também tu fazes embrulhos de letras em papel suave em tons de azul, a tua escrita tem a cor do céu em dias de sol.
beijos
Olá, amiga.
Sempre que os meus passos aqui me trazem, dou por bem empregue a caminhada. Dás-te a ler num sobressalto calmo de memórias que são, cada uma, um enlevo.
Não sai livro? O público agradeceria... ;-)
Beijos.
isto até já parece Português. já consigo ler...já consigo ler.
baril, ou melhor: BUÉ DE FIXE.
;)
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