sexta-feira, 14 de julho de 2006

intermeso

Não te vás, Maria. Peço-te, ouves? É noite, Maria. Ainda é noite. O sol escondido, Maria e tu nesse banquinho. Deita-te a meu lado, Maria. Deita-te aqui neste cantinho, vês? Deixa de olhar o teu rosto nesse espelho que só reflecte sombras. Eu vou junto de ti. Olha como as minhas mãos afagam a trança que trazes caída. Ainda tens o cabelo despenteado. Não vais, pois não, Maria? Olha, desfiz a trança, perdoa-me Maria. Vestiste a roupa de sair, aquele casaco de veludo azul que comprámos juntos, o camiseiro branco e a saia de plissados. Que sapatos calçaste? Os de verniz? Não. Calçaste botas. Claro, deve chover. Olha, no pescoço não tens o cordão que te ofereci. Não partias sem ele, pois não, Maria?! Coloco as minhas mãos, uma em cada um dos teus ombros. Maria, eu penteio-te, queres? Não te magoo, tu sabes. Continuas com o olhar tão fixo nesse espelho sem serventia neste escuro do quarto. O sol está despontando nas persianas. Enfeita-te de risquinhas doiradas, deixa-me ver-te os cabelos brancos, ilumina o teu rosto no espelho. Maria, tu choras! Vês que me ajoelho? Anda, Maria, levanta-te devagarinho. Abraço-te. Sento-te na beirinha da cama. E se fôssemos andar na praia e ver o sol nascer? Sorris? Sorris e eu choro, vês?! Vou vestir-me. As calças teimam em não entrar nas pernas, a camisola enrola-se no pescoço. Estou atrapalhado, Maria e vejo que sorris. Despes-te?! Retiras essa roupa que te levava de mim?! As calças não me querem sair das pernas, a camisola enrola-se-me na cabeça. As minhas mãos no teu corpo, Maria, no teu corpo todo. E a tua boca. E a minha boca. E o sol jorrando luz no quarto, Maria. Maria. Maria.


Gustave Klimt

11 comentários:

Nanita disse...

Olha... "O Beijo"

wind disse...

scritora, este conto está com muito ritmo, realista, com sabor a África, a tocar uma das nossas carências.
muito bom!:)
beijos

Alberto Oliveira disse...

... "pelo andar da carruagem" a Maria ficou. O que é que teria dado à mulher para dar assim à sola?!vá lá percebê-las...

bom-fim-de-semana!

segurademim disse...

...um homem tão solicito, tão em redor dela; e a Maria sorria e resistia... nunca mais se decedia a ir para a cozinha fazer o almoço

...sopa de nabiças que ele tanto gostava

bom fim-de-semana

Nilson Barcelli disse...

Gostei deste teu conto.
Que também podia ser uma cena de uma peça de teatro.
Boa escrita, continuas surpreender-me pela positiva.
Beijinhos.

éf disse...

continuam as "pinturas", é bom. reflexos da alma.
;)

folhasdemim disse...

Gostei muito!

Mudei de casa:

http://desfolhada2.blogspot.com/

Beijokas,
Betty

augustoM disse...

Gostei de ler, talvez um jogo de sedução.
Um abraço. Augusto

Alberto Oliveira disse...

Não sei se a Maria acaba mesmo por ficar; é uma decisão que cabe à autora. Eu vou. Para mais um período de descanso das bloguices, que o tempo passa a correr e aproveitá-lo ao máximo e em lugares diversos (não no mesmo momento... )é o que me proponho fazer... até meados de Agosto.

Abraço.

TCA disse...

ollha maria. maria, maria. mariiia... está lindo. ouves maria, lindo. mesmo, maria.

Maria Carvalho disse...

Adorei ler. Lindíssimo! Agradeço a tua visita nas romãs. Beijos.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

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ai meu Abril, meu Abril...




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"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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