Maria.
Se encontra uma porta entreaberta espreita para dentro. Ri.
Ri um riso antigo de menina.
Ademais disto, Maria deambula.
Desliza nas sombras estreitinhas ao pino do meio-dia. Sombreia nas paredes noite adentro.
Se encontra uma porta entreaberta espreita para dentro. Ri.
Ri um riso antigo de menina.
Ademais disto, Maria deambula.
Desliza nas sombras estreitinhas ao pino do meio-dia. Sombreia nas paredes noite adentro.
Maria não sabe de casa, nem de família.
Come as frutas roladas nas ribeiras quando estas dão em encher. Dorme onde calha no seu andar desgovernado de sentido. Acantoa num celeiro mal fechado. Num vão de ruína ainda entelhada. A Primavera encontra-a estendida, em sonos leves, num milheiral ou nas ervas frescas das ribeiras. Raramente se afoita numa praia, suas dunas ou grutas. Esqueceu o porquê desses medos antigos. Prefere os campos. Esses, percorre-os dia após dia.
Às vezes sossega numa aldeia, numa pequena cidade. Fica sentada num banco de jardim ou percorre as ruas, acima, abaixo, sempre silenciosa, os olhos muito atentos num algum lugar. Pede de silêncio. As mãos em concha. A boca esticada em sorriso. Por ali fica no quente das gentes. Um dia ou dois, não mais.
De quando em quando, encontra um pássaro caído do ninho, uma cria de gato mal desmamada, mais raramente, um cão escanzelado. Então, passa sorrindo onde passar, embalando o animal nos braços.
Há dias em que chove. Nesses dias, Maria dança, cega dos grãos de água que lhe caem nos olhos.
Vive-lhe na recordação uma casa com gentes e uma praia enorme que, mal as pensa, se lhe desvanecem.
Maria.
Maria não tem idade.
De quando em quando, encontra um pássaro caído do ninho, uma cria de gato mal desmamada, mais raramente, um cão escanzelado. Então, passa sorrindo onde passar, embalando o animal nos braços.
Há dias em que chove. Nesses dias, Maria dança, cega dos grãos de água que lhe caem nos olhos.
Vive-lhe na recordação uma casa com gentes e uma praia enorme que, mal as pensa, se lhe desvanecem.
Maria.
Maria não tem idade.
Maria ri um riso antigo. Um riso de menina.
Modigliani
9 comentários:
Escritora, extraordinariamente bem escrito e mostras a liberdade de alguém que nem sabe já do seu passado, mas isso para ela que lhe interessa se continua com o seu sorriso de menina?:)
Muito bom!
beijos
PS: As telas que escolhes para ilustrar são uma maravilha:)
... que maria tão solta, leve, desprendida... gosto de ser relembrada que a vida pode ser rica, doce, suave... não tem que ser presa em angustias e conflitos
vendo bem, nem sequer precisamos de muito para vivermos e sermos felizes... um pássaro...
beijo
Quantas marias existem aí pelo mundo?
Um abraço. Augusto
... este teu texto fez-me recordar a "Maria vida Fria" cantada pelo Paulo de Carvalho...
gostei muito disto, seila. Muito mesmo!
O meu lado crítico de estetismo bacoco diz-te que lhe faltou alguns pontos e vírgulas (pausas distintas e suaves, consonantes com a doçura do texto) em substituição da paragem brusca de alguns pontos. (eu sei, é teima!)
Olá!
Vive-se com gosto?
Já há algum tempo que andava a faltar à chamada aqui. Já devo ter chumbado por faltas e vou direitinho para o exame sem passar pela casa da partida. ;-)
http://kayaebecky.zip.net/
Ai que medo e ao mesmo tempo que sedução de virmos a ser Maria. Se é que não somos já, de vez em quando. Um texto sentido, expressivo.
Beijos.
Licínia
eu achei estranho, mas não confirmei e fui levada. "Lhe faltou" - ao texto, portanto. Está certo! (de futuro vou passar a confirmar antes de me deixar levar; foi assim que um dia, já distante, fiquei sem tremoços. Isso não se faz!)
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