Apetecia-me escrever-lhe. Dizer-lhe.
A perda das certezas. A perda das respostas. A perda do controlo dos aconteceres.
Queria escrever a ela.
Depois dessa perda, a serenidade. Depois, o amainar dos medos...Os corredores labirínticos a transformar-se em ruelas sossegadas. Algumas desembocando em recantos ajardinados. Outras, descendo até margens de regatos de águas transparentes. Os labirintos entrecruzados, cinzentos, húmidos que me faziam imagem de mim, não desexistiram. Eles lá estão. Apenas eu me passeio neles sem olhar receosa a minha sombra ou apressar o passo medrosa. Aprendi a percorrê-los para melhor os conhecer e não para lhes fugir. E até aprendi a gostar dos seus recantos mal iluminados, do cheiro acre de uma valeta sem sol.
Dizer-lhe a ela.
Um dia passei muitos dias em que os dias que vivia eram a soma de esperar. E eu não sabia que sabia fazer isso. Eu não sabia que podia viver apenas esperando algo que não estava na minha mão mudar. Eu não sabia que podia viver os dias sentindo as divisões de cada dia e em cada intervalo de cada parte o dia, nos bocados em que o dia era para ser, a boca amargava-me e eu desexistia.
Imagina!
Imagino eu agora que escrevo sobre o que foi viver dias que nem existiam nas partes em que era para existir, nem existiam nos intervalos dessas partes. E isto era assim, mesmo que eu estivesse no cinema ou sentada numa esplanada com amigos. E isto era assim mesmo que estivesse a ver o mar sentada deixando que as lágrimas enchessem aquela covinha de areia. E isto era assim, mesmo com o Natal a rebentar em alegorias de quadra de ofereceres ou a Primavera a rebentar em cascatas de flores e verdes e sol e luz e águas de Abril. E o isto que era assim era o dia, todos os dias, ser dividido em três partes que não eram a manhã, a tarde e a noite, mas eram outras partes de outro horário, marcado por outro fazer. Eram dias de esperar e dias de ver e dias de contar e dias de saber outras coisas diferentes daquilo que se queria e se desejara saber e nem sequer se importar se para saber isso se deixava de saber outras tantas...muitas coisas. E nesses dias aprendi a desesperar como uma forma de sossegar. Contraditório? Não. Tão apenas sentar o desespero frente a frente para o poder ter não como inimigo, mas como aliado. E os corredores do medo não encurtam nesses dias. E os corredores do desespero não se tornam menos húmidos e escusos. Apenas aprendo a percorrê-los sem receio. Apenas aprendo que vou ver o fundo, mesmo que não saiba quando. A dor é o percorrer desses corredores dos nossos medos. A nossa dor. A dor que sentimos por não poder apaziguar a dor do outro, essa dor apenas o saber esperar a colmata.
Um dia, eu vivi muitos dias divididos em partes que o sol não comandava.
A perda das certezas. A perda das respostas. A perda do controlo dos aconteceres.
Queria escrever a ela.
Depois dessa perda, a serenidade. Depois, o amainar dos medos...Os corredores labirínticos a transformar-se em ruelas sossegadas. Algumas desembocando em recantos ajardinados. Outras, descendo até margens de regatos de águas transparentes. Os labirintos entrecruzados, cinzentos, húmidos que me faziam imagem de mim, não desexistiram. Eles lá estão. Apenas eu me passeio neles sem olhar receosa a minha sombra ou apressar o passo medrosa. Aprendi a percorrê-los para melhor os conhecer e não para lhes fugir. E até aprendi a gostar dos seus recantos mal iluminados, do cheiro acre de uma valeta sem sol.
Dizer-lhe a ela.
Um dia passei muitos dias em que os dias que vivia eram a soma de esperar. E eu não sabia que sabia fazer isso. Eu não sabia que podia viver apenas esperando algo que não estava na minha mão mudar. Eu não sabia que podia viver os dias sentindo as divisões de cada dia e em cada intervalo de cada parte o dia, nos bocados em que o dia era para ser, a boca amargava-me e eu desexistia.
Imagina!
Imagino eu agora que escrevo sobre o que foi viver dias que nem existiam nas partes em que era para existir, nem existiam nos intervalos dessas partes. E isto era assim, mesmo que eu estivesse no cinema ou sentada numa esplanada com amigos. E isto era assim mesmo que estivesse a ver o mar sentada deixando que as lágrimas enchessem aquela covinha de areia. E isto era assim, mesmo com o Natal a rebentar em alegorias de quadra de ofereceres ou a Primavera a rebentar em cascatas de flores e verdes e sol e luz e águas de Abril. E o isto que era assim era o dia, todos os dias, ser dividido em três partes que não eram a manhã, a tarde e a noite, mas eram outras partes de outro horário, marcado por outro fazer. Eram dias de esperar e dias de ver e dias de contar e dias de saber outras coisas diferentes daquilo que se queria e se desejara saber e nem sequer se importar se para saber isso se deixava de saber outras tantas...muitas coisas. E nesses dias aprendi a desesperar como uma forma de sossegar. Contraditório? Não. Tão apenas sentar o desespero frente a frente para o poder ter não como inimigo, mas como aliado. E os corredores do medo não encurtam nesses dias. E os corredores do desespero não se tornam menos húmidos e escusos. Apenas aprendo a percorrê-los sem receio. Apenas aprendo que vou ver o fundo, mesmo que não saiba quando. A dor é o percorrer desses corredores dos nossos medos. A nossa dor. A dor que sentimos por não poder apaziguar a dor do outro, essa dor apenas o saber esperar a colmata.
Um dia, eu vivi muitos dias divididos em partes que o sol não comandava.
Um dia, depois desses dias, percebi, aprendi que a serenidade advém da aceitação do que a Vida nos dá.
Um dia, depois de conviver com a dor do outro feita minha que mais dor é, um dia desses, depois dos outros, eu percebi a unidade do meu eu com os demais. Noutros, muitos outros, eu continuo vivendo muitos dias em que os dias são a soma de esperar. E muitos outros eus não sabem que sabem fazer isso...que podem viver apenas esperando algo que não está na sua mão transformar...que não sabem que podem viver os dias sentindo as divisões de cada dia e em cada intervalo de cada parte o dia, nos bocados em que o dia era para ser, a boca amarga e cada um dos muitos eus desexiste.
Eu gostava de lhe escrever
e dizer das noites sem manhã e das tardes sem pôr de sol.
Eu gostava de lhe escrever
e dizer que soluçar confunde-se
no cascatear da água na fonte
na chuva caindo no quintal.
Eu queria dizer-lhe
depois desses dias nunca mais aqueles dias
Mas eu gostava de dizer-lhe
do sorrir :
Um sorrir de uma outra Alegria!
22 comentários:
Olha, nem sei o que dizer. Francamente. Não consigo encontrar palavras que façam justiça ao que escreveste. Obrigado por teres utilizado a minha foto para ilustrar este texto fabuloso. Beijos, minha amiga.
Cara Seila
Obrigado pela tua visita.
Não conhecia o teu blogue e fiquei maravilhado com o ainda pouco que vi.
Textos interessantes e poemas muito bons, bem condimentados com fotografias a preceito.
Resumindo, diria que tu já tens os tais sapatos de escrever...
Por isso, vou ficar teu cliente.
Um beijo do Norte para o teu Sul, por onde às vezes passo (cada vez menos) alguns dias.
Amiga, tenho que te comentar a dois níveis. Primeiro o texto está belo, de uma beleza saida da vida vivida mas com a tua mão, o teu jeito de dizer coisas que nos tocam bem no fundo da alma.
Depois, tenho que te agradecer teres escrito isto um pouco como resposta ao meu post. Entendo tudo o que me queres dizer. Sei que tenho que aprender a conviver com aquele corredor e outros que apareçam e incorporá-los nos meus dias. E deixar, de facto, a alegria entrar. Para ti, pelo que dizes, por seres como és, uma MULHER assim, o meu grande, grande beijo.
Corredores, sombras, lugares por onde andeiandámos. O fim deles, embora continuando a existir, pq percorridos de formas diferentes.Muito belo, intenso e de expª vivida. Bjs e ;)
Apeteceu-me escrever-te. Dizer que o teu texto-poema está sublime! Maravilhosamente bem escrito. É um sorriso de alegria que vou guardar hoje, num dos meus dias tristes. Beijos, Betty :)
"O dia tem duas horas,
duas horas, não tem mais.
Uma é quando vos vejo
Outra quando me lembrais"
Esta quadra popular foi adaptada por mim nos meus dias de corredor...Dias em que a alma recolhia a um qualquer casulo, e durante os intervalos da espera aparecia mascarada, ladina, prazenteira - cuidava eu mitigar assim a dor irmã...
O teu texto, Seilá, depois de ter lido o da lique, é para mim um testemunho de um ritual de passagem, algo que me faz acreditar que talvez seja assim depois da dor. Que talvez existam essas clareiras que referes...
Um beijinho.
Dora
www.atrasdaporta.blogs.sapo.pt
Que texto, seilá. Um dos melhores teus que li até hoje e que faz pensar em tudo , em cada palavra, em cada frase, na "história" caindo no lugar comum. Adorei caramba.) a foto do ognid está espectacular para este post:-9 beijos***
...apetece-me escrever-te que tudo o que escreveste não devo comentar pela escrita, porque algumas coisas não se comentam com letras; leem-se e depois manda-se um beijo na ponta dos dedos à autora.
Já está!
Intés!!
Está magnifico este teu texto! Nele coibita uma grande verdade... que nem muitos se aprazem ver... gostei, beijinhos
PS: o teu post anterior tb está maginifico! :)
"Que caminho tão longo!
Que viagem tão comprida!
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida!"
alguém se referiu a este texto-poema...
acho que já todos os adjectivos existentes foram utilizados, ainda que não suficientes...
excelente!
//(º_º)\\ um beijo da titas
És "grande" demais para eu conseguir comentar. Todos os dias te leio, sem deixar rasto da minha passagem. Saio sempre comovida, deslumbrada, quase anestesiada perante tanto talento. Aceita um beijo e um profundo obrigado da Fernanda
E eu vejo-te a atrvessar esses labirintos sem medo...
Uma escrita linda, com mestria! Fico...sem saber o que dizer...
A conjugação dos dois texto....uma maravilha...as ideias assim ordenadas...dão um toque mágico à tua arte. Beijo e carinho, BShell
Hoje passei por aqui com mais calma para ler este teu texto... a fotografia não comento. É do Ognid... está tudo dito! Mas tu, Mulher, cada dia que passa, a tua escrita refina.
Minha amiga, que o Sol e o calor desse Algarve maravilhoso te acompanhe neste fim de semana.
Um abraço.
Como já comentei...
Beijinho e bfs.
ps: vi que tens o meu link. Retribuirei ASAP.
a vizinha desculpa esta minha intrometidura nesta casa tão fina, mas eu precisava dar-lhe um recado urgente da sua amiga titas, lá sobre o que ela mais a vizinha escreveram no berlogue:"Despacha-te Sei Lá... talvez ainda consigas! É que o Mr. Gay do Texas não re-enviou, apodreceram-lhe as genitálias...."
oie =) lindo seu texto... profundo... acho que a gente vai encontrando a fórmula de viver entre nossos desejos e nossas conveniências... nossos sacrifícios tmb.. e tudo vai modificando, vamos mudando.. resta o olhar observador sobre toda a caminhada.. beijos e girassóis, Rah *bom final de semana
Sabes o que é uma pessoa ficar amarfanhadinha de todo? É como eu fico quando leio textos belos como este. Até dá raiva, mulher :) Beijinhos muitos e um óptimo fds, linda.
Voltei apenas para desejar-te BOM fds e deixar um Beijo caloroso, BShell
Mais um texto fabuloso. É sempre um prazer enorme qd te leio. A fotografia é excelente, excelente.
Beijinho e bom domingo
os segredos do âmago conhece cada um...
Eu não queria chorar hoje! Queria ter um dia alegre. Preciso de ter um dia alegre. Preciso de alegria no meu coração, para a transmitir a quem não a tem. Se eu não tiver, como é que ele a tem? Se a alegria dele é aquilo que eu lhe transmito, aquilo que ele capta de mim?
Hoje eu não posso, não quero chorar!...
Jinho... um dia talvez escreva, sobre a dor de, sentir a dor... talvez escreva...
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