sexta-feira, 5 de maio de 2017

chuvinha de maio

A minha vizinha apareceu na janela de peitilho a sacudir um tapete azul escuro.
Sacudiu, sacudiu, e retirou-se deixando a janela aberta com a cortina alçada sobre o fundo, que vislumbro escuro, do interior da casa
Depois, voltou, sacudiu um lençol e retirou-se com o pano, mas reapareceu a sacudir outro tapete, este, azul clarinho.
Ali ficou, demorando-se ela, e demorando-me eu a olhar o vagar com que se entretém, ou assim parece, a retirar uns não sei quê que eu imagino que sejam pedacinhos de pele de uns calcanhares que tenham assentado, nus de peúgas e de chinelos, sobre o pelo fofo daquele artefacto; ou serão penas do canário que ela tenha lá por casa; ou serão penas do merlo que por aí anda em pios danados, ou serão penas das andorinhas que abundam; penas que tenham entrado pela janela da vizinha e caído nos pelos do tapete.
Ou nem serão coisa nenhuma, mas apenas distracções da senhora minha vizinha que tem o cabelo preso com um lenço verde alface e nem olha o tapete que cata com a mão direita e bate, suave, com a outra, enquanto voga o olhar pelos carros que descem e sobem a rua que nos separa, eu aqui a olhá-la, eu também distraída, mas sem que sacuda uma peça que seja, tapete ou colcha, ou coisa nenhuma, num gesto do qual alguém dissesse: que zelosa está esta mulher a tratar da sua casa.
Estávamos nisto, eu e a minha vizinha, nem ela sabendo de mim, observando-a, ou pararia aquele seu distraído catar de coisas nos pelos do tapete a dizer-me, simpática: bom dia! e nem sacudiria, quem o sabe, outro lençol como este que agora sacode, tão imenso que quase roja as pedras do passeio.
Estávamos ambas, cada uma em seu lado da rua, quando o sol que prometia demora, resolveu esconder-se atrás de nuvens negras e, logo de seguida, começou a cair uma chuva desgraciosa que levou para dentro o lençol com barra cor-de-rosa que a minha vizinha sacudia a seguir ao tapete azul clarinho.

E, por causa da chuva, encerrou-se a janela ali defronte e encerrou-se, assim, o que eu pretendia que fosse a minha primeira crónica. 

5 comentários:

wind disse...

Gargalhadas, acontece:)
Beijos

Benó disse...

Espetáculo que se repetirá todos os dias. Sacudir os lençóis e os tapetes será a função da senhora sua vizinha que nem sonha estar a ser observada por alguém que aproveitará os seus movimentos para escrever no blogue que possivelmente ela nem sabe o que é.
Humor neste começo de tarde.

Maria de Fátima disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria de Fátima disse...

Obrigada às duas

Anónimo disse...

Desligou o motor quando estávamos a aquecer para a crónica 😂

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein