Ainda não nos tínhamos separado em ângulo recto na esquina da chapelaria. Déramos aquele pequenino impulso de largar os dedos entrelaçados e sabíamos que esboçaríamos um beijo que atravessando o ar atingiria cada um. Tudo gestos ainda de futuro. Sabíamos que, imediatamente depois de nos virarmos em sentidos opostos nas paredes da esquina, nada do que éramos antes do beijo esvoaçante e do desfazer das mãos entrelaçadas, existiria mais. Não ousávamos espantar-nos. Não ousávamos sequer pensar no que agora escrevo, exagerado e grotesco, nesta urgência de contar aquele instante que fossilizou de inesperado. Escrevo de urgência e mágoa.
A esquina estremeceu. O Senhor Edmundo da chapelaria, os dedos nos bolsos do colete, manteve-se imóvel o tempo necessário de desfazer o espanto. No passeio de fronte quase ninguém parou. Na manhã jovem, os cartões de ponto seguiam preparados no bolso de cada um. Apenas havia uma rapariga, parada no passeio. Era empregada na papelaria e balançava o habitual vestido rodado com grandes bolas vermelhas.
Antes que a esquina fosse, para cada um de nós, uma parede que acompanharia cada um afastando-nos, houve o estrondo e o escuro. Um escuro vermelho, um buraco que me engolia para longe de ti, um apertar que não deixava sair o meu grito, um túnel gigante em que me afundei.
Nos trâmites legais, a menina da papelaria e o senhor Edmundo,disseram que o estrondo foi repetido quase sem intervalo e que nós dois caímos. Não souberam dizer quem caiu primeiro. Sei eu que te vi. Tu muito esguia, muito lá em cima, enquanto eu descia no negro profundo, negro e vermelho até que deixei de te ver.
Disseram que a arma era uma variedade de pistola de CO2. Nunca me perguntaram, e eu nunca lhes disse, que era a minha pistola.
O que ainda não percebo, talvez nunca perceba, é porque fiquei eu vivendo este futuro mesmo ao virar da esquina. Percebo os gestos que fizeste, mas julgava-os outros, nem sei se os julgava. Não sei se os previa. Sei que não imaginaria que os fizesses no instante antes de nos virarmos em sentidos opostos nas paredes da esquina, quando o gesto de desenlaçar as mãos ainda se desfazia. Nunca imaginaria.
A esquina estremeceu. O Senhor Edmundo da chapelaria, os dedos nos bolsos do colete, manteve-se imóvel o tempo necessário de desfazer o espanto. No passeio de fronte quase ninguém parou. Na manhã jovem, os cartões de ponto seguiam preparados no bolso de cada um. Apenas havia uma rapariga, parada no passeio. Era empregada na papelaria e balançava o habitual vestido rodado com grandes bolas vermelhas.
Antes que a esquina fosse, para cada um de nós, uma parede que acompanharia cada um afastando-nos, houve o estrondo e o escuro. Um escuro vermelho, um buraco que me engolia para longe de ti, um apertar que não deixava sair o meu grito, um túnel gigante em que me afundei.
Nos trâmites legais, a menina da papelaria e o senhor Edmundo,disseram que o estrondo foi repetido quase sem intervalo e que nós dois caímos. Não souberam dizer quem caiu primeiro. Sei eu que te vi. Tu muito esguia, muito lá em cima, enquanto eu descia no negro profundo, negro e vermelho até que deixei de te ver.
Disseram que a arma era uma variedade de pistola de CO2. Nunca me perguntaram, e eu nunca lhes disse, que era a minha pistola.
O que ainda não percebo, talvez nunca perceba, é porque fiquei eu vivendo este futuro mesmo ao virar da esquina. Percebo os gestos que fizeste, mas julgava-os outros, nem sei se os julgava. Não sei se os previa. Sei que não imaginaria que os fizesses no instante antes de nos virarmos em sentidos opostos nas paredes da esquina, quando o gesto de desenlaçar as mãos ainda se desfazia. Nunca imaginaria.
5 comentários:
Espectacular! Escreves qualquer coisa. Para quando um livro de contos?:)A maneira como colocas as palavras no lugar certo, a visualização de quem lê, o que se sente, é mesmo extraordinário. beijos
"...se um dia eu gritar abraço e apenas a palavra vier escrita nas ondas.."
belíssimo este verso.
parabéns!!!
Um beijo da
Maria mamede
Belo e lindo, como sempre.
Beijos e abraços, com amizade.
5x
A menina tem publicidade online no 5 Pontas. É assim, blogs com capacidade de investimento publicitário é coisa séria?
Tás boa Seila? Tens andado sem Razão pá. ;-)
extraordinrio o que acabei de ler
conseguir acompanhar cada momento, como se estivesse a visualizar, onde as palavras deslizam poeticamente, é realmente de quem sabe escrever e muito bem
encantei-me!
beijinhos para ti, muitos
lena
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