O sol entrava pela janela, e
tu estavas naquele canto de penumbra.
Percebi-te as mãos unidas sob
o rosto.
Sempre assim dormiste, pensei,
a debruçar-me sobre o teu corpo.
– Maria – chamei sem que te
tocasse.
O médico tinha dito: todo o
cuidado é pouco, e tinham-me vestido como se eu fosse em nave espacial voltear
pelo espaço.
O silvo intermitente sibilava
ao ritmo do que seria o teu respirar.
– Maria – chamei de novo.
Disse, mas tu não reagiste.
Nem uma sobrancelha
arqueada, nem um torcer de boca, nem o pestanejar do único olho que me era
visível.
Eu a olhar-te, assim, de
perto, depois de dias e meses contigo tão longe, ao cimo da rua onde sempre morámos.
Não tivesse sido aquela mensagem,
o que lá escreveste, e estaríamos, ainda, assim, longe, e tão perto.
Mas tu tinhas escrito: teste
positivo, e tinhas enviado.
Eu a olhar para ti e a
querer dizer: completam-se hoje duas semanas, vais curar-te; mas calei-me e disse,
apenas: deixaram-me visitar-te.
Eu com medo que pensasses
que tinha vindo sem que tivessem sabido.
Eu que, ao ler a mensagem, tinha
sossegado, que tu eras demasiado jovem, demasiado saudável, e seria eu a querer
alimentar uma certeza, eu que aprendia, nesse preciso instante, que uma certeza,
ainda que pequena, é muito mais apaziguadora do que uma imensa esperança.
Eu que ainda não sabia que
nesta vida nunca nada é em demasia.
Eu, agora, a olhar-te sem
outro sentimento além do prazer do teu corpo tão pertinho do meu.
Eu a matar tanta saudade.
Que bela és, e tão menina, terei
tido vontade de dizer-te, extasiada por tornar a olhar para ti sem que fosse do
cimo da sacada e tu lá tão acima a acenar-me, ou dentro do carro em que passaste
a caminho do que era agora estarmos aqui, e eu tão encantada como se fosse de
chá e bolos este reencontro.
Voltei a chamar: Maria, atenta
ao silvo que se apagava, lentamente.
– Maria – disse num grito, e
debrucei-me tanto, que teria ficado a beijar-te, não fosse a farpela com que me
tinham ataviado.
Maria, repeti, e tu olhaste,
elegante, a caminhar para aquela luz que nem vinha da janela onde o sol teimava
em brilhar, descarado de tanta Primavera.
Tu a olhar-me, e era como se
voasses, e eram sons angelicais os que eu ouvia, trombetas e clarins, e tu a
semelhar a perfeição dos seres celestes, tal e qual me tinham ensinado na
catequese, nesse tempo em que em tudo acreditamos.
nunca iria contar
ninguém me iria crer, mesmo que
eu jurasse sobre o livro dos livros