quarta-feira, 27 de outubro de 2004

lua cheia

Cansara de aguardar. Um dia atrás do outro. Um de riachos de água a desentupir sujeiras. Em outro, brasas de lume sobre a terra e nem maior se daria a secura...esta e o odor...aquele dançar de partículas de coisa que já fora.
Cansara. De Junhos e Setembros. Também dos que lhes ficavam, antes, depois e no entre. Aguardar é demais que espera. De espera a gente sabe que aquilo chega. De aguardar a gente nunca sabe. Até se dá em deslembrar . Fica só entalado num desvio da memória.
Ele cansara disso.
Num dos Dezembros, o pai morrera. Não chorara. Não lhe entendeu aquilo na cara choro. Estranhara só.
Uma noite de um desses meses...puxaria a camisola para o pescoço. Abotoaria o éclair das de ganga. No bolso a carteira documentos notas. Aos pés da cama deixaria um cartão...pedaço de uma oferta de um Dezembro. Escreveria fui. Em letras garrafais. Ninguém que visse se deslembraria. Ficaria antes correndo. Procurando. Ele já iria em outro Junho. Nem seria já ele. Ele descambado de aguardar. Ele cumprimentado daqueles que passavam. Ele sempre quieto. Sentado na soleira da porta...arrimado ao pé do limoeiro. Arrumando sonhos.
Partiria.
Puxou a camisola para o pescoço.... apanhou um limão.
A lua rebentava de brilhos de cheia. Pisou a soleira. Entrou. A luz da lua estendia um lençol sobre a cama.
No mês de dois seguintes o limão mirrara. Na cama outro lençol de lua.
Ele já não era ele. Dizia assim quem o cumprimentara cansado de aguardar.... Diziam...num mês depois de dois...cuidaram que partira...ele apenas cansara. Cansara de aguardar.
Um dia atrás do outro...cansara.

O DORMITÓRIO III de Vicent Van Gogh

16 comentários:

bertus disse...

Já me interrogava quando farias tu outro post e ei-lo.
Com o espaço cheio de palavras com que alinho e de histórias de algumas ficções e muitas verdades cinza-forte...que a vida não se resume apenas ao gargalhar amarelo- descomprometido de um cómico ou ao olhar azul-claro-ingénuo de uma criança tenha ela a côr de pele que tiver.
As tuas histórias são coloridas qb e isso chega-me. E se não chegar, imagino-as ou pinto-as eu mesmo, com as cores inesgotáveis da minha paleta...que artista plástico prevenido, vale por dois.
Fica bem, beijinho e intés!!

Anónimo disse...

e o que importa não é, na vida, o que fazemos depois desse cansaço? Pessoa é o poeta do cansaço, da modernidade industrial e dele próprio, mas o que fazemos com isso é que importa: descemos de novo a colina e retomamos o exercício quotidiano? Bem bem bem, isto é Sísifo a falar (ou alguém por ele). Se não fosse o cansaço que sentido teria a escrita ou o favor da comunicação? Ainda bem que o Outono chegou, Verão cansado, desmaiado, desnutrido, suado, moribundo, inútil... Ainda bem que o cansaço disso tudo chegou, Outono vagabundo, e o testemunho que quero dar está na terra molhada e nas formigas. (willnow)

almaro disse...

Cansara-se, como um feto que vê chegada a sua hora. Não partiu, nasceu no desaguardar do Tempo. Descruzou caminhos e foi no seu…

ps: quando revisitares o meu espaço, faz o barulho que quiseres. Vai, sem silêncios. é reconfortante ouvir a tua voz nas palavras que te vivem...

Manuela Neves disse...

GOSTO MUITO DO TEU BLOG!
Venho aqui para lhe dizer que conto contigo para:::
Vamos a entrar na TERTÚLIA e tome 1BICA, envie até 07/11 sua participação.
Bjs.

wind disse...

Lindíssimo post! A amargura do aguardar...Linda imagem de VanGogh:) beijos*

M.P. disse...

Aguardar, longa espera para nada ou para tudo... Porcesso de desespero para muitos para quem aguardar nuca termina...
Texto cheio de significado este de hoje! xx

Unknown disse...

Surpresa completa. Em cada post uma novidade. Está escandalosamente bom. Adoro ler-te. Beijinhos.

folhasdemim disse...

Quem espera tudo alcança. E quem espera desespera. Gostei muito. Também do Van Gogh. Tenho-o colado ao meu frigorífico :) Beijos, Betty

mjm disse...

Amei. Adoro quando me dás estalos verbais, em lição de colo morno. Essas palavras assim ditas dizem coisas diferentes, apelam ao decá que esconde. Quando me desvelas eu gosto. Espirro, mas gosto ;)
kiss

Sefaxavor disse...

O cansaço e o vazio da espera aqui muito bem retratados. Gostei bastante. Quanto a eu ser doida, não há relatórios médicos que o confirmem, só bocas da oposição... Beijos

AnaP disse...

Minha querida: Muito obrigada pela tua visita!
Vou ser visita assídua do teu blog porque gostei do teu estilo. Este texto tocou-me muito, sabes? Por vezes também me farto das minhas rotinas e tenho vontade de desaparecer por uns tempos... Um beijinho grande!

bertus disse...

...e quando escreves mais, mulher contista?
escrevi hoje uma coisa que gostaria que lesses...mas não te enerves ao ler, tá? Ri-te, apenas.
Beijinhos e intés...e um óptimo fim de semana!

Fátima Santos disse...

Meninos e meninas vocês são uns amores! tento, senão responder, visitar cada que aqui passa, mas hoje apetece-me deixar aqui um abraço especial para vocês os do costume (rss) e os novatos (mais rss)e do coração dizer o meu grande e comovido (de mistura com risos!) OBRIGADO!

bertus disse...

...para registo: baconfrancis@netcabo.pt
intés!!

lobices disse...

...ói, menina!...tudo bem? Claro que sim, claro que também tenho fotos a sul e a leste do meu quintal; a norte não tenho, pois do meu quintal não consigo tirar fotos a nborte dele porque minha casa o tapa... :) *

mjm disse...

Vou-te gamar este pro DIXIT SIC DIXIT (uma caixinha-guarda-jóias), mas era de outro q eu andava à procura. ainda o acho tb.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein